Segunda-feira, 10 de Abril de 2006

CASTAS DOS PODEROSOS E DOS POLÍTICOS

1 - A Política (com letra maiúscula) é uma arte nobre. Necessariamente exercida por cidadãos de elevada craveira moral e com bastantes preocupações de natureza cívica. Se a estes predicados do indivíduo se juntar uma grande capacidade intelectual, um aprimorado sentido de fraternidade e grande empenho na aplicação dos princípios democráticos da liberdade e da igualdade, nele estarão reunidas condições objectivas propícias a valiosas manifestações da arte política de que a sociedade recolherá benéficos proventos.

Mas se considerarmos a “política” (com letra minúscula) estaremos a falar de uma arte trapaceira em que vale tudo: o embuste, a hipocrisia, o fingimento, o oportunismo, a manipulação, o compadrio, a corrupção, a acrobacia, o malabarismo, a incompetência, as palhaçadas e a profunda desconsideração pelo respeitável público do circo (infalivelmente político) em que ela se cultiva e desenvolve e a cujas funções acorre, muitas vezes, a malta crédula do profissionalismo, do pundonor e seriedade dos afamados artistas. Afinal, um circo que - aberto à generalidade das populações - nem recebendo os aplausos dos indivíduos mais exigentes e compenetrados dos deveres da cidadania e dos universais direitos do homem, ainda assim e apesar das conhecidas fragilidades e indecências, dispõe de um conjunto de patrocinadores, intervenientes, comparsas e espectadores. Fiéis. Interessados. Beneficiários. Adoradores do bezerro de ouro. Demasiado contemplativos dos próprios umbigos. Muitos, sofrendo de abulia generalizada. Todos, contribuindo para a manutenção e prosperidade de uma arte menor que não trazendo valores acrescentados à cultura, redunda no descrédito da índole bonacheirona da raça lusa, acarreta entraves ao progresso material da nação e dá origem a danos no património espiritual da sociedade portuguesa.

 

2 - É certo que esta arte politiqueira está em voga noutros países. Estamos a lembrar-nos dos Estados Unidos da América, da Itália, do Brasil, da Rússia. Males dessas nações que não nos deixando totalmente indiferentes ou descansados, nos são relativamente distantes. Certo que tais sistemas e operacionalidades nos deverão incentivar a estarmos precavidos sem veleidades de incorrermos nas imitações.

Mas deixemos os males dos outros aos seus cuidados e tratemos com a devida ponderação as maleitas que nos atormentam e chagam a nossa paciência.

De facto, temos em Portugal implantada e crescendo de forma avassaladora a arte da política menor; a qual, é exercida pelos partidos existentes e - com relevância efectiva e operacional - através da ditadura orgânica do partido que estiver no poleiro do Estado. Esta ditadura orgânica expressa-se mascarada de democracia parlamentar (sucessora da “democracia orgânica”, a ditadura do Estado Novo, assim rotulada por Oliveira Salazar) que não se recomenda a nenhum país do terceiro mundo em vias de desenvolvimento apontado aos patamares altaneiros das nações civilizadas.

Da continuada aplicação da “política à portuguesa” que vimos citando conhecem-se os péssimos resultados; os quais, nos conduziram a níveis de degradação e de atrasos, impressionantes.

 

3 - Todavia, no panorama de desgraças que afligem os portugueses e afectam a imagem de Portugal no seio da comunidade internacional, emerge um insólito factor que, não sendo consolador nem recomendável credencial para uso de publicidade externa, dá a nota de excepção do nosso viver colectivo: os específicos sinais e regalias da classe política no activo.

Uma classe formada pelos artistas do circo político, bastante conhecidos, habituados às vaias dos antagonistas e aos aplausos das respectivas claques. Suficientemente diligentes nos cuidados que dispensam às tarefas de aprovisionamento dos bens pessoais. Neste sentido, agem em roda livre, sem preocupações éticas e chegam alegremente aos limites da (im)perfeição abstrusa. O que fazem de maneira excessiva, mostrando-se exímios beneméritos deles mesmos. À custa dos contribuintes!

Talvez por influência do ambiente circense em que se movimentam os nossos artistas políticos têm contribuído decisivamente para o aumento dos efectivos do parque da bicharada. Em Portugal, espalhados a esmo, proliferam os carneiros de seleccionadas carneiradas; os papagaios maldosos, expostos em belas gaiolas; os macacos de imitação, livres, plagiadores, estimados; as sanguessugas, incansáveis nas ocupações de engorda com os sangues dos enfermos; os camelos de carga, conformados e submissos; as ratazanas e os ratos irrequietos, atrevidos invasores de respeitáveis casas e de recatadas intimidades; os pombos multicoloridos, infectados de vírus temíveis, apesar de discretos transmissores de misteriosos correios; as gaivotas porcalhonas e mal cheirosas dadas a altos voos; os melros de bico amarelo, manhosos e cantadores; os pardais de telhados de vidro, finórios e esquivos; os porcos de nojentos chiqueiros; as raposas matreiras, assaltantes obstinadas de muitas capoeiras; os lobos, ferozes atacantes de indefesas ovelhas; as cotovias, entretidas com os trinados insuportáveis aos ouvidos mais sensíveis; os tubarões, sempre evoluindo em redor das presas, à coca, prestes a desferir o ataque mortífero; as víboras, seres repelentes continuamente preparadas para instilar o veneno nas desprevenidas vítimas que lhe passem ao alcance da mortífera língua; os terríveis leões, águias, dragões, panteras da fauna futebolística que atacam nos estádios; as avestruzes, insossas, que só sabem dar pinotes quando em debandada e, nas ocasiões de maior aperto, meterem a cabeça na areia e… as moscas que multiplicando-se aos milhares estão, continuamente, a lambuzarem-se na trampa.

 

4 - Depois, demonstrando apurado sentido de oportunidade e de convergência com o sentimento de inveja radicado nas mentes dos portugueses, de que falava o filósofo Fernando Gil, os políticos desta terceira República, empenharam-se na imitação da organização social da Índia. Vai daí, criaram uma nova casta – a acrescentar à casta dos poderosos - com prerrogativas especiais na sociedade portuguesa: a casta dos políticos. 

Uns e outros, solidários, interesseiros, concentram neles o poder, a riqueza, as regalias, a fuga aos impostos. Atribuem-se ordenados fabulosos, mordomias excepcionais, automóveis luxuosos, senhas de presenças (e… de ausências), subsídios, isenções de vária ordem. Dominam o território nacional e abusam do direito da força e da hegemonia com recurso aos mais variados meios de pressão e de repressão; incluindo a censura escondida e o medo inculcado nos cidadãos. Os rigores da lei e da justiça passam-lhes ao lado. Quase lhes está facultada a fuga aos castigos das transgressões. Suprema desvergonha e acintosa ofensa ao cidadão anónimo: os políticos vão ser contemplados com lei especial elaborada pelo ministro da Justiça em exercício, que – praticamente - lhes assegurará impunidade absoluta em diferentes e graves matérias de natureza criminal. Os órgãos de comunicação social, em recente data, deram a notícia. Até agora ela não foi desmentida.

 

5 - Poderosos e políticos têm sempre na boca as palavras de ordem de contenção salarial e da imperiosa necessidade de sacrifícios para superar a crise. Avisos e orientações nunca dirigidas a eles. Sim, exigidas e impostas aos trabalhadores e aos cidadãos dos escalões subalternos. Para a generalidade da população reservaram a miséria, o desemprego, a perda dos direitos de cidadania, o cumprimento rigoroso e implacável das leis e das obrigações fiscais, a opressão psicológica e o soberano desprezo e sobranceria pelas dificuldades de milhares de famílias mais desfavorecidas e atormentadas no seu viver quotidiano.

Aprofundando: são milhões de portugueses abandonados e sofredores. Enquanto poderosos e políticos se aproveitam do favorecimento das posições que ocupam em benefício pessoal. Sem vergonha! Com a maior desfaçatez transformaram Portugal na “quinta” deles. Sim, essa, que o leitor está a pensar: a designada “QUINTA LUSITANA”. Delimitaram-lhe os contornos. Plantaram-na e exploram-na em proveito próprio. É claro que pensam e agem segundo o critério: “Vamos aproveitar, enquanto é tempo. Os concidadãos que se lixem!”

Por ser esta a ilegal e deplorável realidade portuguesa e uma vez que, indecentemente, passámos a ter portugueses de várias categorias e classes urge que se faça uma revisão da Constituição da República Portuguesa; na qual, se inclua a eliminação dos seus termos vinculativos de respeito pela dignidade humana. Já!!! Desta sorte, acabava-se com a hipocrisia consagrada na lei fundamental. Igualmente, ficava a letra a condizer com a careta. Ou não fosse esta bastante repelente.

 

6 - E tendo a nação resvalado no abismo onde se dissiparam todas as esperanças alimentadas pelos portugueses, durante os últimos trinta e dois anos, de elevação do nível de vida, é altura de purificar o sistema e dar-lhe novo fôlego. Acabe-se com a irresponsável trapalhada em que estamos envolvidos.

Interrogamo-nos: Não estaremos a chegar à degeneração máxima de um pretenso Estado de Direito? Com esta classe politica, por demais abusadora, possessiva, incompetente, arrogante, que prossegue incólume um caminho de desgraça e desonra deste país, quais serão os meios ao alcance dos cidadãos para recuperarem a dignidade perdida da nação portuguesa?

Talvez a solução de emergência seja a do Estado encerrar temporariamente para remodelação da classe política. Entretanto, venha uma equipa de técnicos da União Europeia administrar a pequena região europeia que é Portugal. O que, convenhamos, seria deprimente. Porém, infortúnio maior é o actual descalabro e o lugar do fundo da tabela dos diferentes índices culturais, económicos e sociais dos 25 países da União Europeia.

7 - Nota derradeira - Atente-se nesta verdade inquestionável: a grave situação em que se encontra Portugal é consequência da incompetência, da ganância e do desleixo dos sucessivos governantes e actores da cena política que, desde 1974, têm passado displicentemente pelas várias instâncias do Poder. E que desbarataram as oportunidades de desenvolvimento advindas dos dinheiros recebidos da Comunidade Europeia. Eles são os responsáveis máximos. Agora, devem ser eles a suportar a maior fatia de sacrifícios. Cabe-lhes dar o exemplo e renunciarem aos excessos dos fabulosos rendimentos que, obscenamente, usufruem. Nem lhes faria grande mossa que abdicassem das sobras dos enormes bens materiais acumulados; nalguns casos, sem sombras de pecados e noutros com interpostas opacidades. Comecem por reduzir as mensalidades dos ordenados, das milionárias reformas e as importâncias das ajudas de custo, dos subsídios e das dispendiosas férias no estrangeiro. Pois, sacrifiquem-se!

Não voltemos as costas à terrível situação que aflige tanta gente portuguesa!

Brasilino Godinho - PortugalClub

sinto-me:
publicado por tutank às 17:40
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